O Paraná do Século XVIII
O período setecentista é de extrema importância para a formação territorial do Estado. O Ouvidor Rafael Pires Pardinho, relata que desde 1704, já se criava gado nos currais dos Campos de Curitiba. Com o declínio da mineração nas lavras do litoral, da Serra do Mar e da região embrionária de Curitiba (Atual Região Norte da Capital), os habitantes das Vilas de Paranaguá, sobem a Serra, fixando-se ao longo dos rios, requerendo sesmarias, passando a dedicar-se a criação de currais. A segunda década do Século muda a história econômica da Comarca, dá-se em 1721 o projeto da abertura de um caminho que ligasse a Curitiba à Colônia do Sacramento, visando o comércio de gado vacum e cavalar. Tal empreitada foi levada a cabo entre 1728 e 1730, criando o primeiro Caminho das Tropas e integrando o Sul do país, que como muito citado por diversos autores, era esquecido pelas autoridades centrais. Data da mesma década de 20, os provimentos do Ouvidor Pardinho, fundamentais para a organização espacial e legal das Vilas de Paranaguá e Curitiba.
Sob. o ponto de vista demográfico, éramos terra de portugueses, espanhóis, africanos escravizados, não passando as Vilas de Curitiba e Paranaguá de “quatro mil almas” (não contabilizado os silvícolas). Durante este século, formar-se-á uma sociedade campeira e tradicional. Com uma vastidão de campos de planaltos por descobrir e fortificações por serem feitas no litoral, na segunda metade do XVIII, entra em ação a mando do Rei as expedições militares de conquista dos Campos de Guarapuava, no Litoral a fortificação contra os ataques castelhanos, o reconhecimento da navegabilidade dos principais rios do Estado, incluindo o Iguaçu, a criação de novas Vilas, no Planalto como Príncipe, ou Santo Antônio do Registro (Lapa), Santana do Iapó (Castro) e adjacentes, bem como núcleos futuros, São Matheus, União da Vitória, Esperança, Tibagi, dentre outras. Com o reconhecimento dos mais longínquos confins do território, como Campos do Mourão, em verdadeiras epopeias de expedições militares lideradas as principais, por Afonso Botelho de Sampaio e Souza, estava lançada a semente de cantos para receber as levas migratórias do Século seguinte.
- Coordenador: Fábio Chedid
- Autor: Kallil Assad
- Edição: Fernanda Cheffer
O Princípio
O período setecentista, foi, sem dúvida decisivo para a organização do novo regime administrativo, econômico e espacial da província. É no Século XVIII, com a Fundação de Curitiba e a Conquista dos Campos Gerais e na sequência os Campos de Guarapuava, que formará a Comunidade Tradicional Paranaense. A característica principal será a ocupação do sertão, a instituição da Sesmaria criando o latifúndio, nas grandes fazendas, emergindo uma sociedade pastoril, formando a primeira elite, a campeira. No fenômeno da exploração do interior do território, a partir dos Campos de Curitiba, destaca-se o trabalho de Afonso Botelho de Sampaio e Souza, do qual falaremos adiante.
O conflito da municipalidade, com poderes despóticos com o Governo Geral, a peleja da ameaça espanhola, no território luso, a descoberta do ouro nas Minas Gerais, Cuiabá e Goiás, moldaram o território em um caminho sem volta. “Nesse período perdem a sua importância as Câmaras Municipais, anulam-se as liberdades locais, submetem-se ao governo colonial português todos os grupos de famílias que governavam com “soltura”. […] Suprimiram-se os restos das capitanias dos donatários, instalou-se uma nova e poderosa instituição – a Capitania Real, ou Capitania Geral. Cada uma delas era governada por um Capitão-General, designado pelo Rei e que do Rei recebia diretamente as instruções e ao Rei se ligava diretamente. […] Esse poder despótico dos Capitães-Generais se sobrepôs com violência aos poderes locais dos grupos familiares que dominavam as Câmaras Municipais.”. (WESTPHALEN, et al, 1975).
Dentro do projeto do Reino de Portugal, a então Capitania de Santo Amaro, onde estava inserida a Capitania de Paranaguá é incorporada à Coroa em 1709. O território que desde 1531 tivera Donatários, doravante estaria anexada em um modelo centralizado administrativo à São Paulo, cujo governo por sua vez no mesmo ano, foi desmembrado do Rio de Janeiro. Estava assim criada a Quinta Comarca de São Paulo, com sede em Paranaguá.
Como falamos no capítulo anterior, a subida da Serra e a fundação da Vila de Curitiba, não paralisou os acontecimentos no litoral. Podemos afirmar que à época, de Matheus Leme, certamente o litoral gozava de mais estrutura que Curitiba, logicamente pela estrutura anteriormente criada em torno da exploração do ouro de aluvião. No raiar de 1700 as comunidades de Curitiba e Paranaguá constituíam-se em uma só. Enquanto a nossa capital dava seus primeiros passos, estruturam-se as Vilas de Nossa Senhora do Pilar de Antonina, São Luiz de Guaratuba e Morretes. Pensando nas Vilas do Litoral e Curitiba como uma única célula, apontamos aqui algumas curiosidades, pouco exaradas nos livros de História do Paraná.
As minas de Morretes
Penajoia, Arraial Grande, Pau Vermelho e Uvaporanduva, eis os nomes das minas de riquezas minerais que surdiram nom Século XVIII às margens do Rio do Pinto, Marumby e Cubatão. Embora as “Minas de Morretes”, estivessem na rota das faíscas da subida da Serra, nos seus arrabaldes, antes de ser Vila, acomodou segundo Francisco Negrão, casarões de sesmeiros, mineradores que levantaram residências de alto padrão para a época em um território inóspito. “A do Penajoia, d’onde foi extraído immenso oiro e cascalho azul. Não deixara de haver no Município alem do oiro, outros diversos metais como: fero, estanho, zinco. chumbo, platina, prata, arsenico…”(Negrão, 1926). Poucas fontes nos dão conta da mineração em Morretes, o epílogo da lida mineira acaba em 1780, onde nada mais se achava, com população evadida e pequenas taperas ainda eram vistas indicando que ali um dia alguém trabalhou.
Terminando vez por todas, na segunda metade do Século XVIII, desencantou de vez a atividade mineradora no litoral e suas adjacências. Porto de Cima, em Morretes, passou a ter importância fundamental de entreposto, em ser um local com muitos armazéns à guardar mercadorias descidas da serra para embarque no Porto de Paranaguá e as que ali esperavam para subir ao planalto.
Vilas setecentistas do litoral
Entre as criações das Vilas de Paranaguá em Curitiba, há um hiato de setenta anos no que diz respeito às normativas de diversos aspectos constituintes de uma Vila de fato. a morte dos Capitães Povoadores, a miséria, falta de comunicação por caminhos, o medo de investidas castelhanas, chamou a atenção do Reinado, para que fosse dado cabo ao caos que imperava nas vilas ao Sul de São Paulo. Surge então a figura do Ouvidor. Este cargo subordinado ao Conselho Ultramarino ( órgão criado em Portugal no ano de 1642 durante o reinado de D. João IV, com atribuições em áreas financeiras e administrativas, primeiro, da África portuguesa e da Índia portuguesa e, depois, de todo o Ultramar Português, incluindo o Brasil), No caso em tela em 1720, Raphael Pires Pardinho, destacado para fazer correições nas Vilas ao Sul de São Paulo, será de fato o grande organizador das paragens, que passaram para a História como os 129 provimentos. Pardinho além de ser correitor da implantação dos modelos urbanísticos, econômicos e de justiça, trazia em sua divisa a chancela de observar severamente TODOS os aspectos e possíveis resoluções que se fizessem para melhoramentos de onde esteve. Sua passagem por Paranaguá e Curitiba foi breve, mas de enorme valia, ficando cá pouco mais de um ano. Em 1724, seus Provimentos foram confirmados pelo Rei. Nos deteremos em alguns deles.
Um dos aspectos abordados pelo Ouvidor, foi a questão espacial geográfica, a fundação de Vilas no litoral para a garantia da posse portuguesa e da segurança da nossa pequena Costa. “ O Ouvidor Geral mandou abrir no rio Sebuí (próximo a Guaraqueçaba), em cada um deles houvesse trezentas braças de terras para que essa Câmara (Paranaguá) as distribuísse pelas pessoas que nelas quisessem morar não só ao presente, mas também no futuro, para que nos ditos portos (Padre Veiga, Morretes, Porto de Cima e Carniças), e desta Vila para Cananeia, no Porto do Varadouro e Superagui, para que nos ditos portos houvesse povoações que facilitasse o comércio destas Vilas, de grande utilidade para o bem comum, e aumento destas vilas e pelos ditos portos hoje estarem hoje sem povoação nem moradores alguns. (SANTOS, p. 128, 2001). Para a execução de tal empreita, quarenta anos depois do provimento surge na nossa, história em 1765, Afonso Botelho de Sampaio e Souza, figura a qual o Paraná deve a maior gratidão.
Botelho surge como o executor do projeto de Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, um nobre português que governou a Capitania de São Paulo entre 1765 e 1775. Durante seu governo, as regiões sul e sudeste do país atingiram limites próximos aos que têm hoje. A preocupação neste momento setentista era a ocupação do território, que assim foi feito, desde o litoral aos Campos Gerais, sob o comando de Afonso. Para tanto organizou milícias com civis das vilas de Paranaguá para a consecução do grande projeto.
Conforme já tinha preconizado Pardinho, muito tinha à ser feito. Quando analisamos as cartas de Botelho para Morgado de Mateus o que mais chama atenção em seu teor é o descaso das autoridades locais para com o cuidado da rés pública. Mas segundo as fontes e o seu maior biógrafo, David Carneiro, Afonso só parava para dormir e escrever cartas. Foi graças ao seu incansável trabalho que às duras penas conseguiu revolucionar a paisagem de nosso território até então letárgico.
Com o princípio de criar vilas no litoral paranaense, para que constituíssem células de defesa do Brasil, contra as investidas estrangeiras, células urbanas da sociedade. Seus feitos se materializaram.
Vilas:
- São José da Marinha de Ararapira, 1769, no extremo Leste, fronteira com São Paulo. Importante entreposto comercial.
- Vila São Luiz de Guaratuba da Marinha,1771, tendo sua criação precipitada ante a tentativa de invasão da Ilha de Santa Catarina, pelos castelhanos em 1768.
- Freguesia de Nossa Senhora do Pilar da Graciosa, em 1798 Vila de Antonina, com nome homenageando o Rei Dom Antônio.
- Grande obra : Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres da Ilha do Mel; Feita no Morro da Baleia, com o escopo também das investidas estrangeiras. Foi nela que deu-se o famoso episódio da Batalha do Cormorant, no Século XIX.
As Vilas Setecentistas do nosso litoral, todas de início subordinadas ao foro de Paranaguá, constituíram-se ao longo dos anos, em cidades com costumes muito peculiares em relação às da Serra acima. Seja pelo clima, pela alimentação, pela geografia, ao longo dos tempos, transformaram-se em um Paraná diferente.Outro fato que vale ser destacado é a importância que cada uma teve para a economia, quer dando suporte ao Porto de Paranaguá, quer sendo locais de fabrico. O maior exemplo disso é a estrutura que proveu para os primeiros engenhos de erva-mate fossem constituídos na Comarca. No final do Século XVIII era de 3.382 indivíduos, dado que mostra , que para a realidade da época era um número considerável. Destarte, até alguns decênios do Século XIX, o litoral como um todo, mas principalmente Paranaguá foi um centro político de grande envergadura. Nosso litoral tem muita história, não está limitado às enseadas de temporada de verão.
A instituição Igreja e o barroco campeiro
A Igreja na América Portuguesa, como foi visto no capítulo anterior, teve sua trajetória influenciada pelo instituto do Padroado, que dava ao rei o poder de comando sobre a Igreja, mas também lhe responsabilizava pela sustentação de sua estrutura. Charles R. Boxer (1981) já observou que o Padroado representava uma união indissolúvel entre a Cruz e a Coroa e, assim, seu exercício foi uma das prerrogativas que Portugal tenazmente manteve em todo seu processo de expansão no ultramar. “As relações entre Igreja Católica e Estado foram estreitas no Brasil tanto na colônia quanto no Império, pois, além de garantir a disciplina social dentro de certos limites, a igreja também executava tarefas administrativas que hoje são atribuições do Estado, como o registro de nascimentos, mortes e casamentos.” (PINTO, 2002).
No caso do Paraná Colonial, as referências relacionadas à entrada das Companhias religiosas em nosso território, são as franciscanas e Jesuíticas, inicialmente os jesuítas presentes desde o Século anterior no litoral, tiveram um comprometimento clássico em catequizar e educar. O que tratamos neste escrito é a relação das ordens religiosas e a arquitetura edificada, sobretudo, até hoje presente no Colégio Jesuíta de Paranaguá e nas Igrejas do litoral de apelo luso e barroco simples, marcas que foram cunhadas pela professora Cecília Westphalen como “Barroco Campeiro”, pois o barroco não se limitou nas cidades à beira mar, como nas vilas do período dos Campos de Curitiba. Cabe ressaltar que além dos clérigos, as Irmandades Religiosas de leigos, contribuíram bastante para a difusão da fé e dando suporte para que os confessionais realizassem suas obras.
Nesta linha de pensamento, os homens bons construíam capelas e igrejas, e a instituição cuidava da parte espiritual da população. A este estilo do colonial português e do barroco simples, está até hoje presente em Paranaguá nas Igrejas de São Francisco das Chagas, São Benedito e ainda que modificada na Matriz de Nossa Senhora do Rosário. Em Guaratuba, Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, Morretes e São Sebastião. Como construções setecentistas , demonstra que mesmo com a evasão de aventureiros, nosso litoral não escapou do processo de colonização e povoamento de Morgado de Mateus.
Subindo a serra, os caminhos
É no período de 700 que começa a preocupação com os caminhos regulares para transpor a Serra do Mar e chegar aos campos de Curitiba. Desde os tempos pré-históricos haviam quatro caminhos de ligação ao planalto, que passou a ser usado pelos pioneiros.
- Caminho Fluvial do Cubatão: partindo do Rocio em Paranaguá, chegando por barco no Rio Nhundiaquara, indo até Porto de Cima e adiante rumava-se a pé.
- Caminho do Arraial Grande: saindo de Paranaguá, entrando no Rio Cubatão chegando na Borda do Campo, São José dos Pinhais
- Caminho da Graciosa: Saindo da Baía de Antonina, indo o trecho fluvial até o Rio Nhundiaquara, subia a pé por picadas sinistras, da Serra.
- Caminho do Itupava: Iniciando em Porto de Cima, subia-se por ele,chegando ao atual Centro de Curitiba, sendo durante tempos o caminho mais utilizado para o contato do litoral com Curitiba.
Quando da estada do Ouvidor Pardinho, em seus provimentos, se preocupou com a mobilidade da comunidade una de Paranaguá e Curitiba. Só iria ser levado projeto adiante com a fibra de Afonso Botelho, no último quartel do Século XVIII. “Dos três caminhos estudados por Afonso Botelho, o que lhe pareceu preferível, foi o Itupava, apesar da dificuldade de transposição da Pedra do Cadeado , foi do Itupava, pela extensão do caminho por água. As picadas mesquinhas que existiam, ele sentiu insuficiente para transposição.” (CARNEIRO, 1986)
De fato, Botelho transpôs, à pólvora, o caminho do Cadeado, melhorando também os outros caminhos à custa de trabalhos de milicianos, civis das Vilas arregimentados para os interesses de paz e guerra da Comarca. Com o surgimento do tropeirismo e dos bens indo e vindo do Porto de Paranaguá, o Itupava foi o mais utilizado. A solução final dos caminhos de pedra só seria sanada no Século seguinte com a Estrada da Graciosa.
A Curitiba de Pardinho
A Vila de Curitiba, organizada pela segunda vez no anoitecer do Século XVII, no início do 18 era uma Vila tosca. Desde a ereção do Pelourinho no atual marco zero, até a correição do Ouvidor Pardinho, houve um lapso de 27 anos. Em 1721, o Ouvidor, egresso da Universidade de Coimbra, magistrado nas ciências jurídicas, fez apontamentos de natureza orgânica de suma importância. “Nas palavras do próprio Ouvidor, em carta destinada ao Rei D. João V, de 30 de agosto de 1721, buscava, com suas correições, “reparar os erros e abusos passados, e reparar os futuros. Nos provimentos de Curitiba, levados a termo em 20 de janeiro de 1721, destaca-se 129 provimentos deixados para Curitiba. Vale destacar que os moldes em que foram entabulados suas providências, estava calcado no modelo da cidade colonial, preconizado por Portugal, regido pelas Ordenações Filipinas e Manuelinas. Nos anos setecentos , surgem cidades, quer em Portugal quer na Colônia, com planos absolutamente regulares, concebidos segundo traçados geométricos, e na maioria dos casos ortogonais, pelos quais se expressavam alguns dos grandes temas do urbanismo clássico. Destacam-se nestes exemplos como a cidade planejada racionalmente na sua estrutura global, a praça como elemento central da malha urbana e os conceitos de planejamento e de beleza urbana “associados à regularidade do traçado e à adoção de modelos arquitetônicos uniformes” (TEIXEIRA; VALLA, 1999: 253), aos quais devem obedecer todas as construções de uma rua, de uma praça ou mesmo de uma cidade.nos traçados urbanos setecentistas, a praça é pensada de início como o centro da cidade, em termos simbólicos, funcionais e também espaciais. Este conceito, ocorre até hoje, onde as Praças são o marco zero de cada cidade, ali está o rocio, donde à partir deste, sempre com uma igreja católica no centro, a cidade se expande, no caso de Curitiba a Praça Tiradentes.
Além da questão urbanística, tratou das competências territoriais das Câmaras, eleições e agentes da ordem pública, dentre outros assuntos. Sua permanência em Curitiba e Paranaguá foi curta, mas de grande importância. Mesmo com seus provimentos, a modesta vila manteve-se em estado de pobreza, como aponta, Carneiro ao falar da ação de Afonso Botelho no nosso território, por volta de 1769: “Ao chegar em Curitiba, Afonso Botelho percebeu imediatamente que a Vila não passava , depois de quase cem anos de vida com o pelourinho erecto de relativa insignificância que se achava […] não existia em na vila de Curitiba, pobre, quase sem gente, e esta embora mal saída da estrita indigência em que a comunidade vivia mergulhada”. É justamente à partir deste momento, em uma conjuntura nacional, que não só Curitiba, como seus Campos Gerais, sofreriam grande mudança na paisagem. Foi o tempo, por seu esforço de arrematar a construção da Matriz, cadeia pública e o incentivo de fazer o povo, segundo ele, muito acomodado a dar um rumo para o progresso da futura capital.
Entre o ouro e o couro
O assunto que mais pautou o Século XVIII no território paranaense e no Sul do País, foi a preocupação com os caminhos.
Se por um lado, a administração sofreu grandes modificações estruturais, é neste Século, o último do Brasil Colônia que o território paranaense começará a viver um movimento econômico, até então inexistente. A procura pelo gado vacum e muar, como gêneros alimentícios e para transporte nas minas de Ouro de Minas Gerais e do Centro Oeste, Goiás e Mato Grosso, colocou em evidência o Sul. Desde 1697 já bateava-se ouro nestas regiões. A notícia da descoberta chegou aos faiscadores do Paraná, então paulistas, no Reino e nas demais Províncias. Houve então uma verdadeira corrida ao ouro, fazendo com que todos corressem em desabalada carreira, para garantir o seu pedaço na lavra. Migrantes e imigrantes arrancharam-se em condições precárias com relação ao abastecimento de víveres, o que levou as autoridades coloniais a extrema preocupação, pois o metal precioso deveria ter o controle da administração colonial à ser remetido para a Metrópole.
Currais, caminhos e territórios
Desde as Sesmarias dos iniciais povoadores dos Campos de Curitiba, nota-se a agricultura de subsistência e a criação do gado Vacum. A corrida do ouro para Minas Gerais, foi literalmente histérica.
Dissipadas as expectativas de ouro no litoral e no Planalto, aqueles que não abandoaram a terra em busca dos Gerais, fixaram-se uns entregues, em Paranaguá em pequenos comércios de farinha de mandioca, e outros no planalto, ao iniciar da criação do gado Vacum… (WESTPHALEN, 1992)
A loucura em território mineiro em busca do metal precioso, foi tão intensa, que não havia tempo para o cultivo de gêneros alimentícios, como também a invernada do gado e muar, cenário tão dantesco, que anotava um cronista da época, vendo os mineiros comendo carne de cachorro. Algo haveria de ser feito. A solução estava dada, nascia o Tropeirismo e com ele a Sociedade Tradicional Paranaense.
O caminho das tropas
Uma vez entendida a necessidade urgente do comércio sulino com o eixo Minas-Goiás-Mato-Grosso, temos de considerar a situação territorial Meridional em que a Colônia se encontrava, por volta de 1720.
Durante o Brasil Colônia, nos anos 1700, o Sul do Brasil era terra de ninguém. O comércio, os interesses políticos e os objetivos militares mudavam de acordo com decisões vindas da península Ibérica, do outro lado do Oceano, no Hemisfério Norte. Portugueses e castelhanos disputavam território. A presença espanhola era maior que a portuguesa. (KAISER, 2006)
Mais do que uma necessidade de cunho econômico, a necessidade de rasgar o Tratado de Tordesilhas, nunca respeitado pelos portugueses, em favor da Coroa lusitana, era condição sine qua non para a consolidação da unidade territorial, logo uma estrada que promovesse a ligação do Sul à economia local, rompendo as matas e campos de quatro atuais Estados RG, SC, PR e SP, seria literalmente unir o útil ao agradável. Porém a grande questão era, como ligar os dois pontos, em um território inóspito de toda ordem, com serras, escarpas, matas e ainda a hostilidade, natural dos silvícolas? Qual ou quais caminhos seriam mais viáveis? O Caminho do Viamão; possivelmente uma das principais façanhas aventureiras de desbravamento do Brasil Colônia.
No final de década de 1720, Cristóvão Pereira de Abreu*, apresentou um plano ousado para o governador de São Paulo: abrir um caminho para ligar a planície do Viamão*– à Vacaria dos Pinhais, no cimo da Serra do Mar, e depois até Curitiba. Autorizado, Cristóvão recrutou o velho amigo Francisco Souza Faria, Os dois começaram a empreitada no final de 1730 [..] (KAISER, 2005).
Após duas tentativas, com suas histórias peculiares, enfim em 1733, passando pelos campos de Curitiba, o Caminho atinge seu destino final, a paulista cidade de Sorocaba. Este caminho permitiria o abastecimento de grandes rebanhos de mulas às Minas Gerais com distribuição à partir de Sorocaba, e consequente ocupação do interior do território.
Durante o caminho havia de ter locais onde fosse possível não só o descanso da tropa, como também a “invernada”, que consistia em deixar os muares e gados, recuperando-se dos trechos mais pesados, para chegar na feira em pleno vigor, valorizando o preço das rés. Da necessidade de pontos estratégicos, surgem espontaneamente pousos mateiros, para atender as refeições e posterior pernoite. Estes pousos, mais tardes serão o embrião das cidades do Paraná Tradicional, no Primeiro e Segundo Planalto.
Durante o período desse ciclo, as fazendas de criação de gado e invernagem e muares, estendem-se por todas as regiões de Campos Naturais do Paraná., campo que vão desde Curitiba, Campos Gerais, numa ocupação fundamental do território paranaense, até as fronteiras do Rio Grande e Argentina. (WESTPHALEN, et. al p. 62)
Elite campeira - a primeira do Paraná
Se anterior ao ciclo tropeiro houve alguns grupos dominantes n o poder local, como já citamos, com o advento da atividade tropeira, lograrão êxito aos donos de terras. Os sesmeiros, que desde o século XVII, já estavam organizando-se nos Campos de Curitiba afora, com uma atividade pastoril, na criação de gado, novamente como figura de destaque no sentido de poder político e econômico local. Aos que eram proprietários de fazendas, obtiveram na atividade pastoril um esteio.
Sob a base de grande propriedade de terras de campo natural, de criação de gado, do tropeirismo e da invernagem, e do trabalho escravos de índios e negros, caracterizou-se no século XIX, a classe dominante regional, configurada em família fazendeiras vivendo em suas terras e detendo o poder político local e regional, por meio de oligarquias parentais. (WESTPHALEN, P.65)
Personagens
Raphael Pires Pardinho nasceu em Portugal em 1680. É um personagem que surge em nosso território atual por volta de 1719 à 1721 e que passa para a História não só como o Ouvidor em nome da Majestade Portuguesa, que passa em correições nas Vilas de Paranaguá e Curitiba, como também um grande cronista da Quinta Comarca de São Paulo, além de deixar importantes provimentos acerca da aplicação da justiça, urbanização e economia , como nos dá conta da vida das paupérrimas condições de vida dos inóspitos núcleos populacionais do período.
É ele que pela primeira vez na nossa História informa a subida dos paulista de Paranaguá para o Planalto, estabelecendo currais para o abastecimento das Minas Gerais, quando findou cá a cata do ouro de aluvião, como aponta o pioneirismo paranaense na condução de gado vacum desde 1704 até Sorocaba. Fixando residência por 14 meses em Curitiba. Neste contexto de mudança econômica, base para a instituição do Paraná Tradicional, separou juridicamente as Vilas de Paranaguá Curitiba e Sorocaba, onde Curitiba ficaria com as terras da Pico da Serra, incluindo as sesmarias do Planalto, até o Rio Itararé quando começaria a jurisdição da Vila de Sorocaba, deixando para Paranaguá as Vilas do Litoral. Desde então os moradores dos Campos de Curitiba e dos Campos Gerais ficariam chamados de “curitibanos”, por estarem subordinados à jurisdição de Curitiba. Na Capital baixou 129 provimentos e no litoral setenta e sete, que foram confirmados em caráter de força de lei pelo Rei em 1724. Até hoje seus apontamentos são crônicas de uma época em que estrutura-se a Capital e o Estado. Seu legado serviu de base para um território que alçava a ser civilizado. De regresso a Portugal, morre em 1761. Seu trabalho foi resgatado por Moysés Marcondes e Francisco Negrão que publicou em diversos números do Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba, no século XX, nomeado “Documentos Para a História do Paraná.”
Afonso Botelho de São Payo e Souza nasceu no em Passos em 1728, na Província de Sabrosa, Região Norte de Portugal, próximo à Vila Real, capital da antiga região de Trás-os-Montes. Teve formação militar em Portugal e desde cedo mostrou caráter obstinado a servir à Coroa lusa. Em 1767 chega em Santos, onde dois anos antes, por ordem do Marques de Pombal, ali havia-se criado a Capitania de São Paulo, sendo seu primeiro Governador e Capitão General Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Matheus. D. Luiz, faz de Botelho seu ajudante de ordens, dando-lhe a patente de Tenente Coronel, cabendo-lhe atender as vilas ao Sul da Capitania, neste caso a Quinta Comarca à época composta pelas Vilas de Paranaguá e Curitiba.
Primeira Missão: Edificar um forte na barra de Paranaguá, que desde 1718 era requisitado pela população; a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres da atual Ilha do Mel. Este era o início da grande obra de Botelho que pouquíssimos conhecem. Foi ele de fato nosso primeiro Governador efetivo que agiu com olhar futurista para o futuro Estado do Paraná. Foi o grande desbravador do nosso território de leste a Oeste. Seu maior legado está nas fundações de Vilas, reconhecimento das navegabilidades dos rios e a magna conquista dos campos de Guarapuava.
Após organizar destacamentos de civis no litoral, em 1767 inicia à base de pólvora a abertura dos caminhos viáveis para ligação do litoral com o Planalto, seguindo o rastro das vias abertas pelos povos originários e mineradores dos Séculos anteriores. Já em 1769, recebe ordens régias para adentrar os sertões dos Campos de Curitiba adentro afim de fundar Vilas para a garantia do território português. Dá condições para que Santo Antônio do Registro (Lapa), Sant’Ana do Iapó (Castro) tenham a devida estrutura para estabelecerem-se núcleos populacionais.
Já a esta altura tratou de reorganizar o pedágio das tropas, deixando mais rentável à coroa. Proveu estrutura para a exploração do mate e da madeira, como riquezas potenciais para a economia do futuro Estado.
Tendo como base a atual cidade de São Matheus do Sul, embalou cinco expedições, ou bandeiras para a conquista dos Campos de Guarapuava, mesmo resultando em mortandade em embate com os Índios Xoclens, cumpriu com a missão de transcender o terceiro planalto, dando condições aos Sesmeiros de estabelecer suas criações de gado, formando geográfica me demograficamente o Paraná Tradicional.
Após os grandes feitos, pouco reconhecido pelo escalão superior da Majestade, volta à Portugal e morre esquecido em 1793, no mesmo trato de solo que nasceu. De Botelho, nem retrato temos, mas para que a História não se perca, fazemos aqui justiça a um homem que ousou e fez acontecer. Um personagem que tem de ser lembrado e reverenciado, muito mais do que um nome de praça em Curitiba.
Referências Bibliográficas
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CARNEIRO, D. A. S. – Duas conferências sobre a vida e obra de Afonso Botelho de Sampaio e Souza. Curitiba. Edição do autor. 1950.
CARNEIRO, D. A. S. – Afonso Botelho de Sampayo e Souza : Seu julgamento e seu papel na construção do atual Paraná. Curitiba. Edição do Autor. 1951.
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CHMYZ, I. et. al. , Relatório de Impacto Ambiental: Operação Urbana Consorciada Linha Verde – Diagnóstico Sobre o Patrimônio Arqueológico, Curitiba, Ippuc, 2011.
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NEGRÃO, F. Genealogia Paranaense v. 1. Curitiba, Imprensa oficial do Paraná,1926.
Linha do Tempo
1661 – Carta de Sesmarias nos Campos de Curitiba de Baltazar Carrasco dos Reis.
1693 – Curitiba recebe predicamento de Vila – Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.
1697 – Notícias de escravos africanos em Curitiba, embora não saiba ao certo efetivamente a data da chegada de tal etnia.
1703 – Notícias da criação de Gado Vacum nos Campos da Vila de Curitiba.
1708 – Entram com formalidade os Jesuítas em Paranaguá
1710 – Perda da autonomia política da Capitania de Paranaguá, voltando a foro de São Paulo, integrando à 5ª Comarca Paulista.
1721 – O Ouvidor Rafael Pires Pardinho, faz o relato da primitiva situação em que Curitiba achava-se. Neste mesmo ano, ocorreu provimento do mesmo ouvidor pugnava por uma abertura de estrada que ligasse o litoral ao planalto (Estrada da Graciosa).
1722 – Por carta régia, com articulação do Ouvidor Pardinho, autoriza-se a os moradores de Paranaguá a comercializarem seus produtos, com os vizinhos países do Prata.
1723 – Recebe por Carta de Sesmaria, terras junto ao Rio Bariguy João Martins Leme.
1727 – O Capitão Luiz Tigre faz doação de meia légua de terras no “Tamanduá”, para que lá fosse erigida uma capela, em favor da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição.
1730 – Abertura do Caminho do Viamão.
1731 – Cristóvão Pereira de Abreu embala a primeira tropeada pelo Caminho do Viamão.
1738 – Autorizada a construção do Colégio Jesuíta em Paranaguá.
1741 – É inaugurado o Colégio Jesuíta em Paranaguá.
1767 – São iniciadas as obras de construção da Fortaleza da Barra do Nossa Senhora dos Prazeres
1766 – Tem início a formação de Milícias na Comarca de Paranaguá e nos Campos de Curitiba, afim de proteger o território de invasões castelhanas e nas expedições da Conquista dos sertões, como a expedição de conquista dos Campos de Guarapuava.
1769 – Em expedição ao Rio Tibagi, sob o comando de Francisco Carneiro Lobo, junto com seus ordenanças, são atacados pelos silvícolas daquela região.
1770 – Francisco Lopes em expedição de bandeira aos sertões de Guarapuava, descobre as ruínas em que se achavam as cidades espanholas no Paraná.
1772 – Data do primeiro recenseamento abrangendo o Paraná.
1776 – O paranaense Coronel Anastácio de Freitas Trancoso, comandou uma Companhia que as suas custas foram fardadas e armadas seguindo até Laguna, em defesa de Santa Catarina, ameaçada por Castelhanos.
1777– Assinatura do Tratado de Santo Ildefonso.
1779 – A freguesia de Santana do Yapó e elevada à Vila com o nome de Castro
1782 – Nasce em Taquari, RS, João da Silva Machado, futuro Barão de Antonina.
1796 – Inaugurada a Fortaleza de Nossa Senhoras dos Prazeres na Ilha do Mel.
1797 – Criação da Vila de Antonina.
A Pesquisa
O Projeto Barão do Serro Azul: Recomposição Histórica de um Herói pesquisa, desde 2015, dados e fatos históricos que conectam a história do Paraná com a trajetória de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, único paranaense inscrito no livro do Panteão dos Heróis da Pátria.
Com a maturidade da pesquisa, percebemos que a melhor forma de apresentá-la era em um formato cronologico, que conferisse a dimensão das transformações e dos principais agentes da história do Paraná ao longo dos séculos.
Você é nosso convidado para explorar e viajar pelo Paraná e seus principais personagens!
Confira o conteúdo que preparamos para cada século.